Dispepsia dissipada e eu não poderia finalizar 2011 sem falar do filme que o marcou, ou que me marcou perante o ano.
Na sala semi-iluminada, quem apertasse os olhos e diminuísse suas pupilas facilmente enxergaria a ansiedade em pessoa materializada numa das poltronas. Os pés batendo no chão, o joelho tremendo com o impacto cinético, a cabeça vazia, expectativa nenhuma. Só a curiosidade sem fim!
Quando as luzes do projetor começaram a piscar na superfície branca da tela, os olhos quase orbitaram de satisfação, mais alguns minutos passados os trailers e lá estava Almodóvar em novíssima versão, recriado como todo artista ao fim de uma nova obra.
Quando as luzes do projetor começaram a piscar na superfície branca da tela, os olhos quase orbitaram de satisfação, mais alguns minutos passados os trailers e lá estava Almodóvar em novíssima versão, recriado como todo artista ao fim de uma nova obra.
Capa do livro "Mygale" |
Cena do filme |
A inversão de papéis (mocinho vira vilão e vilão vira mocinho), diálogos escassos envoltos em mistério, ação lenta e densa, tempo não linear e as cores quentes (caracterítica própria de Amódovar), são algumas das que marcam A pele que habito. Com uma densidade psicológica e emocional espessa, a obra transborda suas problemáticas para o espectador colocando em cheque seus valores e julgamentos. Pontos de vista dividem-se, ora invertem-se, enquanto uma corrente magnética de sensações desconfortáveis e chocantes atinge o espectador através do corte que a percepção incide na fina película entre espaço e tempo, quadro e realidade.
O bom de um bom cinema é exatamente isso: nos direcionar para dentro da história, independente de nossa própria vontade, independente de nossa consciência. Expressões, planos, quadros, ritmos, diálogos, sons, fotografia, objetos e a relação entre todos esses elementos precisa estar em perfeita harmonia para nos capturar. Um simples detalhe e o filme ganha ou perde toda sua intensidade.
Uma das cenas iniciais do filme |
Obra de Louise Bourgeois |
Eu não poderia deixar de dedicar algumas linhas para mencionar a presença de Louise Bourgeois em A pele que habito, uma presença mínima, mas que a mim repercutiu tudo o que eu poderia esperar da trama. A presença de obras e de um livro sobre a escultora franco-americana no inicio do filme parece aleatória e quase imperceptível aos mais desapercebidos, mas conota toda a força psicológica conflitante que marca a narrativa, além de constituir uma menção direta ao título do livro em que se baseia o filme. Quem já ouviu falar de Bourgeois certamente já ouviu falar de suas aranhas gigantes. Pele, costura, conflitos emocionais, desejo, sexualidade, deformações físicas, mutilações, obscuridade e dualidade, são abordagens e aspectos do trabalho de Bourgeois que, tanto quanto a obra de Almodóvar, nos colocam poeticamente em contato com mundos obscuros, agitações internamente ignoradas, fragmentos desconfortantes que convivem conosco embaixo de uma epiderme neural que pouco habitamos.
Não temos escolha perante a arte, se aceitamos encontrá-la, intimamente permitimos que nossa vulnerabilidade venha a tona despertando sentimentos, emoções e pensamentos que pouco poderiam ser acionados sem o estímulo da obra. Almodóvar, certamente alcançou coeficientes altos de sensibilidade em A pele que habito, mostrando que é possível fazer drama com pouco estardalhaço, suspense sem grandes tensões sonoras e que terror também se faz com a mente, sem precisar desperdiçar golfadas desnecessárias de sangue.
Em A pele que habito as letras sobem anunciando o fim do filme e você continua sentado. Primeiro perplexo, depois indignado com o diretor que se despede despejando em você uma das cenas mais densas e indigestas do filme, uma dose cavalar para somar-se as outras que acumularam-se até aquele momento. Assim, dedico esse texto a minha amiga Paula Barros (MA) que assistiu ao filme comigo e que como eu, sensivelmente, não conseguiu conversar sobe ele.
Paulinha, esse é pra nós.
Nada de ruminações para 2012! Rsrsrsrs
Nada de ruminações para 2012! Rsrsrsrs